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Memento Mori

"– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres."


Hoje, depois da incrível e temível meditação do Professor; depois de ler "O milagre secreto" de Borges; pela primeira vez na vida eu temi a morte. Não a dor, não a perda. Não foi o inferno que temi - não temi sofrer: temi não saber (não poder) sofrer. Também não temi o nada - o nada não assusta! - mas então o que foi? O que foi que temi?
Talvez o tempo - a carruagem da morte - certamente o tempo! Irado, correndo e me arrastando a cada momento para a eternidade. Que pavor me trouxe o tempo! Que pavor a consciência que serei eternamente só aquilo que pude ser no tempo... Contemplarei indefinidamente a luz divina na medida exata do que fui capaz - contemplarei tanto quanto estiver preparada. Mas como me preparar? - enquanto escrevo o tempo continua indo... - Como?!
Já faço ideia do que procurar: colocar minha existência perante Deus; ter Ele como o foco das minhas ideias; expandir meu intelecto olhando minha vida sub specie aeternitatis. Eu já sei o que fazer; mas... como?
O que me apareceu - o que me fez tremer - foi o vislumbre da imensa - da incomunicável - dificuldade de atingir isso. Eu, tão pequena, tão fraca. Eu que mal posso contra mim mesma.
Teologia? Filosofia? Literatura? Sim, eu me preocupo, eu estudo. Mas hoje eu percebi que não importa a quantidade de livros que eu leia - pouco importa se tenho erudição! - o que conta para a tarefa mais importante da vida é algo que tem de acontecer aqui dentro. Ninguém pode me entregar - transmitir - isso. Assim como eu também não posso transmití-lo a ninguém...
Esse tesouro se esconde na minha essência: eu preciso procurá-lo! Preciso descobrir, realizar o mistério da eternidade. E o tempo é muito curto! Encontrar o eterno no finito: eis o milagre que salvará minha alma.
Nada pode ser mais sensato que as últimas palavras do Filósofo holândes: (...) Deve ser certamente árduo aquilo que tão raramente se encontra. Pois se a salvação estivesse à disposição e pudesse ser encontrada sem o maior esforço, como explicar que ela seja negligênciada por quase todos? Mas tudo o que é precioso é tão difícil como raro.

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Novíssimos

"Já viste, numa tarde triste de outono, cairem as folhas mortas? Assim caem todos os dias as almas na eternidade. Um dia, a folha caída serás tu." [J. Escrivá]

Começo esse novo espaço com uma citação de Espinosa. Espinosa será o elo de continuidade entre a treva e a luz:

Proposição 37 - Parte IV, Ética:

Todo aquele que busca a virtude desejará, também para os outros homens, um bem que apetece para si próprio, e isso tanto mais quanto maior conhecimento tiver de Deus.

Demonstração: À medida que vivem sob a condução da razão, os homens são o que há de mais útil ao homem. Portanto, sob a condução da razão, nós, necessariamente, nos esforçaremos para que os homens vivam sob essa mesma condução. Ora, o bem que apetece para si próprio todo aquele que vive sob o ditame da razão, isto é, aquele que busca a virtude, é compreender (intelligere). Logo, todo aquele que busca a virtude desejará, também para os outros homens, o bem que apetece para si próprio. Além disso, o desejo, enquanto está referido a mente, é a própria essência da mente. Ora, a essência da mente consiste em um conhecimento que envolve o conhecimento de Deus e, sem o qual, ela não pode existir e nem ser concebida. Portanto, quanto maior conhecimento de Deus a essência da mente envolver, tanto maior será também o grau com que aquele que busca a virtude desejará, para um outro, um bem que apetece para si próprio. C.Q.D.

Demonstração alternativa: O homem amará com mais constância o bem que ama e apetece para si próprio se vê que outros também o amam. Portanto, ele se esforçará para que outros também o amem. E como esse bem é comum a todos os homens e todos podem desfrutá-lo, ele se esforçará, então (pela mesma razão), para que todos dele desfrutem; e tanto mais se esforçará quanto mais ele próprio desfruta desse bem. C.Q.D.

Escólio 1: Quem se esforça, apenas em função de um afeto, para que os outros amem o que ele próprio ama e para que vivam de acordo com a inclinação que lhe é própria, age apenas por impulso, e se torna, por isso, odioso, sobretudo para aqueles que gostam de outras coisas e que, portanto, por sua vez, se empenham e se esforçam, com igual impulso, para que os outros vivam de acordo com a inclinação que lhes é própria. Além disso, como o bem supremo que, por causa de um afeto, os homens desejam é, muitas vezes, algo que apenas um único homem pode desfrutar, ocorre que aqueles que amam não sejam coerentes consigo mesmos e que, ao mesmo tempo que se enchem de gáudio ao proclamar a glória da coisa que amam, temem ser acreditados. Em troca, quem se esforça por conduzir os outros de acordo com a razão não age por impulso, mas humana e benignamente, e é inteiramente coerente consigo mesmo. De resto, remeto à religiosidade (religionem refero) tudo quanto desejamos e fazemos e de que, enquanto temos a idéia de Deus, ou seja, enquanto conhecemos a Deus, somos causa. Quanto ao desejo de fazer o bem, que surge por vivermos sob a condução da razão, chamo de piedade. Já o desejo que leva o homem que vive sob a condução da razão a unir-se aos outros pela amizade chamo de lealdade (honestatem uoco). E chamo de leal (honestum) aquilo que os homens que vivem sob a condução da razão louvam, e de desleal (turpe) aquilo que contraria o vínculo da amizade.

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P.S.: Esse post foi, de certa forma, um pedido de desculpas...